Sabe, outro dia eu estava num bar, desses com luz baixa e poças de cerveja no balcão. Vi um grupo de jovens rindo alto, trocando telefones como se colecionassem figurinhas. Lembrei de mim mesmo, décadas atrás. A gente se esbarrava, criava laços de vida ou morte em uma tarde e desfazia na semana seguinte. A tinta ainda estava fresca, como dizem. Não sabíamos quem éramos, então qualquer um servia. Era uma espécie de anarquia afetiva, um tempo analógico que, convenhamos, já não existe. Virou uma história do Stephen King, tipo aquela de “Conta Comigo”, saca? Quatro moleques andando nos trilhos do trem, sem celular, sem GPS, só com o tédio e a amizade pra se guiar.
De herança dessa época, o que sobrou foram agendas velhas, verdadeiros cemitérios de papel cheios de nomes. E cada nome ali não é só um nome. É um pacote completo: um universo de traumas, manias irritantes, dívidas, problemas… um emaranhado de merda que você precisa decifrar só pra conseguir interagir. E quer saber? Meu saco esgotou. A paciência já se mandou há muito tempo. Hoje, se for pra ser superficial, que seja com os meus. Pelo menos com eles o jogo já é de cartas marcadas. Eu conheço os defeitos, eles conhecem os meus. Não preciso mais de currículos novos pra analisar.
Aí chega um engravatado, um antropólogo chamado Robin Dunbar, e me joga uma planilha na cara. Diz ele que nosso cérebro, essa máquina de pensar em boletos e na morte, só tem espaço para uns 150 nomes. E ele não para por aí. Ele fatia a sua vida social como um açougueiro:
- O círculo do caixão (5 pessoas): Esses são os íntimos. A turma do “são 3 da manhã, preciso de ajuda”.
- A gangue do bar (15 pessoas): Seus parceiros de confiança. Aqueles que você chama pra um porre.
- A galera do churrasco (50 pessoas): A turma da festa. Boas risadas, mas a conversa raramente passa da superfície.
- Os conhecidos (150 pessoas): O resto da multidão que você ainda chama de “amigo”.
Aqui é o limite humanamente possível de você conseguir interagir minimamente… Mas não acaba por aqui:
- A lista do Excel (500 pessoas): Aqui a coisa vira só estatística. São os “conhecidos”, rostos que você cruza na rua e talvez acene com a cabeça.
- O rebanho (1500 pessoas): E por fim, o fundo do poço. Indivíduos que seu cérebro consegue apenas… reconhecer. Figuras que você sabe que existem, mas que não passam de pixels na sua memória.

E sejamos claros sobre essas últimas camadas, os 500 e os 1500. Isso é só o lixo da sua planilha mental. Pessoas aleatórias e descartáveis com quem você interagiu em algum momento da vida. O tipo de gente que, se sumir amanhã, você nem vai notar. São apenas dados. Ruído, mas que por algum milagre, ou carência mútua, ou por não ter outra opção, um dia podem elevar-se de ciclo e ter alguma relevância para você.
Esse ciclo é uma piada. Uma tentativa de colocar ordem no caos que é a vida.
A verdade, meu caro, é que na vida adulta a coisa é mais brutal. A gente não coleciona mais figurinhas. A gente tenta, desesperadamente, não perder as que já tem. Entre o trabalho que suga a alma, a terapia pra não surtar e a obrigação de fingir que está tudo bem, os amigos vão sendo negligenciados. E se você for um expatriado, um peixe fora d’água, a coisa fica ainda mais patética.
No fim das contas, essa contabilidade dos afetos é uma grande bobagem. Talvez a gente não precise de 1500 pessoas. Talvez a gente precise de um ou dois portos seguros nesse mar de merda. E olhe lá. O resto é só número pra estatística.
Referências:
- Sobre o Número de Dunbar:
- Wikipedia: Dunbar’s number – Um bom ponto de partida, detalhando a teoria do limite cognitivo para relações sociais.
- Psyche: How to make friends as an adult – Guia com base na psicologia para entender a dificuldade de fazer amigos na vida adulta.
- Sobre a adolescência analógica:
- Reddit: I feel lucky I was a teenager before smartphones – Uma discussão que mostra como a nostalgia por uma adolescência sem smartphones é um sentimento comum.
- Sobre amizade e vida de expatriado:
- Psychology Today: 7 Secrets to Making Friends as an Adult – Artigo com dicas e insights psicológicos sobre a formação de amizades tardias.
- Welcome Center Germany: Stories from Expats: Challenges and Triumphs – Relatos e análises sobre os desafios de se construir uma comunidade sendo um estrangeiro.