Eu estava em um seminário em Paris, na França, e era o ano de 2000, a virada do século. Coisa de gente importante, sabe? Eu, Robert, um típico brasileiro no meio de um bando de engravatados de vários lugares do mundo falando sobre o futuro do não-sei-o-quê, tipo o Caco Antibes num jantar de gala. Foda-se o futuro. Eu só queria um trago e um canto pra não pensar muito. Mas lá estava eu, em Paris, cheia de clichês e turistas. E eu, um deles.
À noite, a cidade me chamou, e resolvi dar uma banda pelas ruas. Não as ruas de Paris dos cartões-postais, mas a Paris suja, a Paris que cheira a mijo e a esperança perdida. Resolvi caminhar. Sem rumo. Como um desses poetas malditos que a gente lê nos livros, ou um J.J. Gittes caminhando pelas ruas de Chinatown.
Eu sei, você tá lendo isso e pensando: ‘Que porra é essa? Quem é esse cara falando?’ Pois é, sou eu. O narrador. Ou talvez, só um cara sentado num bar, com a cinza do cigarro caindo na mesa, e o mundo lá fora desabando. E eu? Eu não ligo. Nunca liguei. Nem pra Paris, nem pra você. Mas a história é minha, então vamos lá.
O ar cortava, tipo uma lâmina invisível. Paris, né? Cidade-luz. Pra mim, só mais uma cidade grande, cheia de gente sozinha e promessas vazias. O chão tava úmido, pegajoso. O tipo de umidade que gruda na alma. Você já sentiu isso? Essa coisa de estar no meio de milhões e se sentir um átomo perdido?
Passei pelo Arco do Triunfo. Grande, imponente, um monte de pedra que já viu mais história do que eu jamais verei. Pra mim, só um monumento. Mas pra outros, talvez significasse algo. Ou não. A gente nunca sabe o que se passa na cabeça de alguém, não é? Nem na nossa própria. Mas monumento a quê? Pra lembrar que a gente sempre perde no final? Aquilo ali, pra mim, era só um monte de concreto que barrava a vista. Tipo um monumento à futilidade humana. O tipo de coisa que o Darth Vader olharia e soltaria um suspiro pesado, sabe? De quem já viu de tudo e não se impressiona mais com nada.
Mas aí, um bar. Chamou minha atenção. Uma fila do caralho, segurança na porta, um armário, tipo um Golias de terno, só que sem a funda do Davi. Tipo balada de filme americano. O nome do bar? Chesterfield. Hoje em dia, dizem que é Charlie Bird. Nomes mudam, mas a sujeira, a fumaça, o cheiro de álcool e suor, isso não muda. Nunca muda.
Tocava rock pesado lá dentro. O tipo de som que te faz sentir vivo e morto ao mesmo tempo. O lugar tava entupido, gente suando, corpos se chocando, rindo de piadas sem graça. O inferno particular de cada um, eu diria. Mas eu entrei. Ou tentei. A fila, lembra? Eu não era de esperar. Mas esperei. Por quê? Ah, meu caro, essa é a pergunta de um milhão de dólares. Ou de um copo de uísque barato. Talvez eu só quisesse me perder na multidão. Ou me encontrar. Quem sabe? Eu, sinceramente, não dou a mínima. Dava pra sentir o grave da música vibrando nos ossos, um ‘tum-tum’ que engolia tudo. Era o inferno, e eu estava em casa.
Walter Heisenberg White entenderia meu dilema. Essa busca, essa necessidade de se encaixar, de encontrar algo que preencha o vazio. A diferença é que ele faria uma planilha, um plano bem elaborado. Eu? Eu só entro na fila e vejo no que dá. Sem a parte do sequestro, claro. Sou um romântico, não um psicopata. Ainda.
Resolvi descer pro subsolo. Só uma escada. Escura, apertada. Sem cuidado com a segurança, claro. Naquela época, incêndio era só mais uma forma de morrer. Ninguém se importava. Hoje em dia, tudo é regulamentado, tudo é seguro. Uma chatice. Mas eu desci. E você, aí, lendo isso, como se estivesse lá. Mas não estava. Nunca está. Só observa. E julga. É o que a gente faz, não é? Você também faz. Não minta pra mim. Eu sei que você faz.
O tipo de lugar que o Coringa adoraria, onde o caos é a única regra, e eu lá, no meio daquela muvuca, sem falar uma palavra de francês. Francês? Nem um ‘bonjour’ decente. Só sabia pedir água. ‘L’eau, s’il vous plaît’. O básico pra sobreviver. O resto era mímica, grunhidos. A vida é assim, né? A gente se vira com o que tem. Tipo o MacGyver, mas sem o chiclete e o canivete. Só a cara de pau e a sede. Que ironia. A vida é assim. Cheia de talvezes e de nada. E eu, um gringo perdido, procurando algo. Ou nada. A gente nunca sabe. E nem precisa saber. A gente só vive. Ou tenta. E morre. É o ciclo. O ciclo eterno. Como um disco arranhado, tocando a mesma música de merda, de novo e de novo. E a gente, dançando. Ou não. A gente só existe. Ou finge que existe. É a vida. Ou o que sobrou dela.
E foi lá, no meio daquele inferno particular, que eu a encontrei. Com as amigas, todas bebendo como se não houvesse amanhã. E talvez não houvesse mesmo. Ela era o ponto de luz no meio da fumaça, ou talvez só mais uma miragem. Você já teve essa sensação? De que algo te puxa, mesmo sem saber o porquê? Branca, cabelos muito curtos e muito pretos, como a noite sem estrelas. Óculos de armação grossa, um detalhe. Mas um detalhe que falava volumes. Tipo a Velma do Scooby-Doo, só que menos atrapalhada e mais… real. Você sabe, a inteligência por trás do mistério. Nariz fininho e pontudo, corpo magro, mas com umas curvas que me chamaram a atenção. O tipo de curvas que te fazem esquecer o mundo lá fora. Não as curvas de uma Vênus de Milo, cheias de perfeição inatingível, mas as curvas de uma mulher real, de carne e osso, com seus defeitos e suas belezas. Cada traço, uma informação. Eu absorvia tudo. Como um detetive absorve pistas, ou um vampiro, sangue. Ela era um mapa, e eu, um explorador sem bússola, mas com uma sede insaciável de descobrir cada canto.
Os óculos, um charme. O nariz fino, delicado. Os cabelos curtos e pretos, um corte preciso, que emoldurava o rosto dela de um jeito que me fazia querer tocar. Ela tinha um ar de quem não se importava, mas ao mesmo tempo, um brilho nos olhos que denunciava uma curiosidade latente.
E eu, que mal falava francês, tentei falar com ela. Que piada. Palavras soltas, tipo pedras caindo num poço fundo. A comunicação, essa ilusão que a gente insiste em perseguir. Ela não me entendia. Claro. Como entender alguém que nem se entende? Mas aí, o destino, ou a sorte, ou o acaso, ou a porra que for, colocou uma amiga portuguesa no caminho. A tradutora. A ponte entre dois mundos. E a conversa começou. Palavras soltas, risadas forçadas. Eu só observava. A voz dela, aquele sotaque parisiense gostoso, a forma como ela gesticulava. Cada movimento, um pedaço do quebra-cabeça. Eu estava montando o meu próprio quadro, você vê? Onde eu era o artista e ela, a obra-prima.
Dançamos. Ou tentamos. A dança dos corpos no meio da multidão era mais um empurra-empurra ritmado, uma tentativa de se conectar em meio ao caos. Mas a gente curtiu, sei lá. O suor escorria. As luzes piscavam. Era o tipo de momento que você sabe que não vai durar, mas finge que sim. Como um gole de uísque barato que te esquenta por um segundo e depois te deixa mais vazio. Eu a observava, cada movimento, cada sorriso. Ela tinha um jeito de olhar que me lembrava um gato, curioso e um pouco desconfiado. Eu me perguntava o que ela pensava, o que ela queria.
Como Dr. Cal Lightman faria, eu comecei a montar um perfil mental dela, para entender. Para decifrar. Ela era um enigma, e eu, um detetive amador, pronto para desvendá-lo. Dançamos. Curtimos. Como se não houvesse amanhã. Ou como se o amanhã não importasse. E, pra ser sincero, não importa mesmo. O que importa é o agora. O cheiro de suor, o gosto do álcool, a batida do rock. A vida, em sua forma mais crua e desavergonhada.
Saímos juntos, a trupe toda. As amigas foram pra um lado e sumiram na noite, tipo figurantes que cumprem seu papel e saem de cena. Nós dois? Nós dois caminhamos lado a lado por um lindo parque, cheio de arbustos e bancos. O ar da noite, o cheiro de terra molhada. Roubei um beijo. Intenso. Cheio de desejo. Ela correspondeu, mas sinalizou, que não se sentia confortável em ser tão íntima em um local público, mesmo àquela hora. Fomos para o metrô.
O metrô. O submundo de Paris. Cheio de gente, de cheiros estranhos, de histórias não contadas. Cada rosto, uma vida. Cada vagão, um universo. Eu a acompanhei até em casa. Um sobrado perto do metrô. Típico. Nada de castelos, nada de luxo. Apenas a realidade nua e crua. O que mais eu faria? Deixar uma dama sozinha na noite parisiense? Não sou o tipo de cara que deixa o Batman sem Robin, você entende. A rua vazia, só o barulho dos nossos passos. Eu observava cada detalhe: a forma como ela andava, o jeito que a bolsa balançava. Cada passo, um passo mais perto de desvendar o mistério. E o mistério era ela.
Subimos. E aí, a vida, ou o que sobrou dela, aconteceu. Ela morava num sobrado perto do metrô. O tipo de lugar que não diz nada, mas diz tudo. Paredes antigas, cheiro de limpeza e vida acumulada. Eu já imaginava como seria lá dentro. Onde ela dormia, o que ela lia, se tinha poeira nos cantos. Pequenos detalhes. Mas são os pequenos detalhes que constroem o universo, não é? Onde o Superman guarda o pijama, por exemplo. Isso diz muito sobre ele.
A cama era simples, de metal, com um colchão firme. Sem frescura. Do jeito que eu gostava. Começamos deitados, beijos, abraços, carícias. As mãos explorando cada curva, cada centímetro de pele. Ela gemia baixinho, quase inaudível, um sussurro que só eu podia ouvir. Beijos molhados. Apagados. Como cigarros no cinzeiro. Não era um beijo de cinema. Era um beijo de bar, de rua, de quem não tem muito tempo pra pensar. Apenas o ato. Cru. Direto. E por um segundo, o mundo lá fora parou de desabar. Ou talvez eu só não ligasse mais.
Usamos preservativos, claro. A gente não era idiota. O amor do casal, ou o que quer que fosse aquilo, terminou com ela de quatro. A visão. O corpo dela se curvando, as costas arqueadas, a bunda empinada. E eu, por trás, sentindo cada estocada, cada movimento. O ritmo acelerava, os gemidos dela, ainda baixinhos, se misturavam à minha respiração ofegante. Eu, acostumado às brasileiras que perdem a linha quando estão chegando ao clímax, fiquei impressionado. Essa europeia tentava manter a classe até mesmo em seus momentos mais íntimos. E eu pensava: o que se passa na cabeça dela? Essa quietude. É mistério? É só o jeito dela? Eu queria decifrar. Como um código indecifrável, ou um enigma que só ela conhecia a resposta. E eu, o único que queria desvendá-lo. Você já se sentiu assim? Querendo tanto entender o outro que você quase se perde em si mesmo?
E então, o clímax. Gozamos juntos, um grito silencioso de prazer que ecoou no quarto. Era isso. Era tudo. Não havia futuro, não havia passado. Apenas o agora. E o agora era bom. Era real. Era tudo o que importava. Ela era gostosa, esta é a palavra. Curta. Reta. Sem adjetivos. O corpo, a sensação. Não era sobre amor, não era sobre nada grandioso. Era sobre o momento. A carne. A pele. Aquele calor que te faz esquecer que o mundo é uma merda. Por um instante, só. Mas um instante que valia a pena. Você sabe, a vida é feita desses instantes roubados.
Dormi na casa dela. Acordei pela manhã. O sol entrava pela fresta da cortina, tipo um intruso. Tomei um café rápido. O tipo de café que te lembra que a ressaca não é só da bebida. É da existência. E você, aí, achando que a manhã seria diferente, né? Nunca é. A rotina. A vida voltando ao normal.
E aí, a surpresa. As amigas dela. De roupas íntimas. Pela casa. Normal, né? Tipo uma cena de Friends, só que sem as risadas enlatadas. A vida é assim, sem filtro, sem censura. Elas nem ligaram. Eu também não. Só observei. Mais detalhes pro meu arquivo mental. Como um detetive que anota cada movimento, cada respiração. Tudo serve. Tudo importa. Pra quem sabe olhar, claro.
Eu me despedi. Trocamos telefones. A promessa de um futuro que nunca chegará. Peguei o metrô. Voltei pro hotel. E a vida seguiu. Ou não. Quem sabe? Eu, aqui, continuo com meu cigarro, e o mundo desabando lá fora. E eu? Eu não ligo. Nunca liguei. E você? Você ainda tá lendo? Que bom. Sinal de que a vida, mesmo na sua forma mais crua, ainda tem algo a oferecer. Ou não. Quem sabe?