Resenha: Os Pilares da Terra – Um Soco no Estômago Disfarçado de Romance Histórico

Voltar a um livro depois de mais de uma década é um negócio arriscado. É como reencontrar um velho amigo de bar: você não sabe se a conversa ainda vai fluir ou se tudo o que restou foi a lembrança de uma ressaca compartilhada. Minha primeira vez com Os Pilares da Terra, de Ken Follett, foi em novembro de 2013 – sorte a minha que anotei no Goodreads, porque minha memória para datas é um lixo. E agora, com o calhamaço de quase mil páginas de novo nas mãos, a pergunta era simples: a porrada ainda doía como antes?

A resposta: sim. E como dói.

A gente esquece, sabe? O tempo suaviza as arestas. Mas Follett não está nem aí para suavidade. A primeira luta de espadas do livro já te dá o recado. Não tem firula de cinema. É só metal sujo contra carne. O aço morde, o osso quebra, e um homem simplesmente… perde um braço. E essa atenção ao detalhe, essa crueza, se espalha por tudo. Uma das coisas que achei mais notável foi o jeito como ele descreve as roupas, principalmente as peças íntimas e precárias das mulheres, com uma precisão que te faz quase sentir o tecido áspero na pele. E a comida… puta que pariu, a comida. Dos banquetes da nobreza aos caldos ralos das cidades pobres, a riqueza de detalhes era tanta que, volta e meia, eu me pegava com fome no meio da madrugada. É um lembrete brutal de que a Idade Média não era um conto de fadas. Era um inferno de lama, sangue, fome e, às vezes, um banquete.

Os Pilares da Terra não é só sobre a construção de uma catedral. Na verdade, a catedral é a grande personagem, a espinha dorsal de uma história sobre a ambição, a fé cega, a corrupção e a resiliência do ser humano. O cuidado do autor em nos contar os detalhes da sua construção ecoa na mente, e a gente consegue elaborar a sua grandeza no nosso imaginário, vivendo dentro do priorado de Kingsbridge. Enquanto Tom, o Construtor, sonha em erguer algo grandioso para Deus, a luta pelo reinado da Inglaterra serve de pano de fundo, envolvendo traições, conspirações e ganchos no final de cada capítulo que te obrigam a virar a página. É uma enorme e incrível novela com tudo que se tem direito.

É incrível como uma história na Inglaterra do Século XII consegue plantar um mar de emoções. Os personagens são muitos e bem construídos. A gente acompanha árvores genealógicas, vibra com as conquistas deles, sente suas perdas e, claro, ama odiar os vilões – e olha, não faltam desgraçados memoráveis aqui. Para um bom livro funcionar, também temos que gostar dos vilões, e Follett sabe criar monstros que a gente adora ver se foder.

Por isso, quando anunciaram a minissérie, anos atrás, fiquei feliz pra caralho. Pensei:

“Finalmente, vão botar essa crueza toda na tela”.

Que ingenuidade. A decepção foi do tamanho da catedral. Sabe quando pegam uma refeição completa e a transformam num sanduíche sem gosto? Foi isso. O que diabos os roteiristas tinham na cabeça? Personagens descaracterizados, tramas complexas simplificadas até virarem novelinha e um orçamento que mal devia pagar o figurino. Aquela vastidão, a grandiosidade da obra, virou um teatrinho filmado com atores sem expressão. Foi uma traição.

Então, meu conselho é simples: esqueça a série. Fique com as páginas. Follett já visitou Kingsbridge outras vezes em livros como Mundo sem Fim e Coluna de Fogo, mas não se engane, são histórias independentes, separadas por séculos. Podem ser lidos sem ordem, mas a verdade é que, na minha opinião, nenhum deles supera o original. Os Pilares da Terra é a obra-prima. É um daqueles livros raros, um tijolo que você carrega pra todo lado e, quando termina, sente um vazio, como se tivesse se despedido de pessoas reais. É um lembrete de que, mesmo no meio da merda toda, o desejo de criar algo belo e duradouro é o que nos impede de virar animais de vez. Um brinde a isso.

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